Na década de 80, o então presidente do Zimbábue Robert Mugabe se via em maus lençóis. Para dar uma satisfação à população com relação ao estado de crise, passou a recorrer ao argumento de que “forças ocidentais” conspiravam continuamente contra a sua gestão. Uma década antes, o presidente da maior potência ocidental, os Estados Unidos, fizera um discurso semelhante. Segundo o mandatário, havia “forças ocultas” conspirando e sabotando o seu governo. O resultado? Uma investigação comprovara que, na verdade, era o próprio presidente o cabeça por trás desse esquema. O “esquema” ficou conhecido como “Watergate” e a “força oculta” era comandada pelo próprio presidente, Richard Nixon.
Nessa mesma década de Nixon, Isabela Perón, na Argentina, também lançou mão das suas “forças ocultas” ao justificar o endurecimento do regime, declarando estado de sítio. No Irã, Khomeini desmantelava a credibilidade do governo do Xá, mostrando que havia “forças ocultas” envolvidas (uma delas, os EUA, viveria uma relação ambígua também com o regime dos aiatolás). “Forças ocultas” também foram usadas como argumento para grandes tragédias humanas. Hitler usou esse argumento ao colocá-las como a “ameaça judia”, desencadeando o flagelo do Holocausto. Após a Segunda Guerra, as tais “forças ocultas” migraram para os nebulosos embates da Guerra Fria entre comunistas e capitalistas pelo mundo afora e passaram a alimentar gradativamente a noção conspiracionista, algo largamente comentado quando do assassinato do presidente norte-americano John F. Kennedy em 1963.
Apenas dois anos antes desse assassinato, Jânio Quadro, então presidente do Brasil, renunciava ao seu cargo citando “forças terríveis” que conspiravam contra o seu governo. O que não ficou tão oculto assim foi a verdadeira intenção do autogolpe com pretensões nada republicanas. Mas Jânio não estava só no uso do argumento. Vargas, antes dele, mencionara “forças ocultas” que culminaram no seu suicídio, os militares da ditadura insistiam em “forças subversivas” como argumento para a máquina repressiva e até mesmo, atualmente, presidentes como Fernando Collor de Melo e seu xará Fernando Henrique Cardoso usaram as tais forças em contextos narrativos, o primeiro no enfrentamento das denúncias de corrupção e o segundo como justificativa para dificuldades de governança.
O que tudo isso nos ensina? Políticos recorrem às forças ocultas, terríveis ou opositoras, todas as vezes em que foram frustrados em suas maquinações ilegais ou perversas ou quando confrontados com as consequências das suas intenções ou medidas. Geralmente, esse recurso narrativo serve para colocar um governante na posição de vítima e nessa posição aparece como um coitado, um herói incompreendido ou como mártir perseguido e aí entra a cuidadosa modelagem dessa perseguição sob o uso oportunista de estereótipos que nada tem a ver, na verdade, com as verdadeiras causas.
Mas não só. Há políticos que acreditam piamente que dividir o que é pertinente à gestão pública em sinecuras, cargos, prebendas e afins entre agentes políticos de diferentes poderes é a receita infalível para garantir a “harmonia”, a “governabilidade” e fazer passar qualquer boiada pela porteira, mesmo que seja para legalizar irregularidades ou mesmo medidas para prejudicar por anos ou mesmo décadas o bom e honesto trabalhador comum. Nem sempre isso dá certo. E, quando não dá, as tais forças ocultas e opositoras são chamadas de volta e colocadas como o bode na sala. E sobram espaços ainda para a própria incompetência e a confusão entre o que público e privado. É claro que oposições existem. E precisam existir na democracia. São as regras claras desse jogo, sobretudo quando à luz do sol que, sem dúvidas, é o melhor detergente.
Paulo Cotias, professor, historiador, escritor e psicanalista.