Paulo Cotias
A noção de realização na vida pública transformou-se. Mas, antes de transformar-se, a identificação de uma realização era feita pelo reconhecimento. Isso explica, de modo generalizado, a lembrança que temos daqueles que realizaram descobertas importantes nos mais variados campos do saber e que legaram manifestações duradouras nos diversos ramos da cultura, dos esportes, de tantas e tantas áreas. Assim também o foi com os personagens políticos quando reconhecidos pelo que pensaram e, sobretudo, pelo que realizaram, cuja relevância, de tão evidente, prolongou-se como memória.
Hoje, ao que parece, temos uma obsessão e dependência psíquica das pessoas em se tornarem apenas conhecidas. Assim, há uma compulsão feroz na forma da autocongratulação. Nem sempre ela é individual. Há também os que se associam de várias formas para garantir aos seus participantes a devida chancela dos seus supostos talentos e ilusória relevância. No entanto, os que servem de “seguidores” ou apoiadores dos conhecidos, o fazem, não raro, na expectativa de que serão recompensados, um dia, igualmente com a fama. Na vida pública esse mecanismo é semelhante. A diferença é que a base de confirmação e sustentação dos conhecidos e famosos de ocasião desejam, geralmente, outro tipo de reconhecimento, vindos na forma da tornar-se o figurão da vez, ou mesmo do bom e velho empreguismo entre outras maneiras de se aproveitar dos generosos recursos da “Viúva”.
Tudo isso contribuiu decisivamente para que a prática política fosse drasticamente encolhida para caber na estética, linguagem e objetivos das redes sociais. E aqui a ficção suplanta o real, com suas narrativas e efeitos especiais. Vejamos como é fácil fazer parte do show.
Se fossemos considerar como verdade o que certa casta de gestores públicos no exercício das suas funções (votados ou nomeados) mostram dos seus feitos, certamente não precisaríamos mais nos preocuparmos em colonizar outros planetas (pobre Elon Musk), pois estaríamos vivendo (em nossas humildes cidades, especialmente) no momento mais glorioso da espécie humana em toda a sua história evolutiva. Assim, os atos mais banais, os esquálidos desdobramentos e os mais irrisórios e limitados de efeitos ou até aquele “mais do mesmo” requentado ou copiado, se transformam nas exclamações “estamos revolucionando”, “ninguém fez mais do que…”, “o trabalho não para”, “foguete não dá ré” (aqui novamente o Elon Musk se mostraria assombrado). E todos têm ou fazem o “melhor tudo de todas as coisas”.
Mas nem só de superlativos delirantes vivem esses atores políticos. Alguns incrementam o espetáculo, acrescentando a fusão entre o personagem, a pessoa e o gestor público. Assim, nossos políticos se tornam nossos “brothers” e “sisters” desse BBB às avessas, informais, descolados e sempre bem-intencionados. Até os que os que se opõem a essa pasmaceira costumam acabar parando dentro do “game”, virando os personagens que tramam contra os heróis e heroínas por pura vontade mesquinha de não permitir que eles continuem a inédita marcha do progresso. Até parece.
É a fantástica irrelevância. Por trás dela, há interesses bem reais e eles são meticulosamente escondidos sob a forma do parecer. Mas há alternativas ao ridículo intencional. Tema para o nosso próximo artigo.
Paulo Cotias é Professor, historiador, psicanalista e escritor.