Categorias
Artigo

ESTELA & EDUARDO

Maria de Fátima teve um casal de filhos. Estela e Eduardo.

Estela teve filho cedo, mãe solteira, foi morar no Rio, batalhadora; anos depois conheceu o novo marido, casou e teve outra filha. Estela contraiu meningite, e morreu cedo, deixando os filhos pequenos com o marido, que logo casou novamente. Maria de Fátima não se dava bem com o genro, o que dificultava seu convívio com as netas.

Eduardo era um problema. Nunca quis trabalhar. Skatista e maconheiro, cabelos com drads, barbicha, desfilava o dia inteiro pelos points da cidade e periferias. Um baseado aqui, um rolé ali, Maria de Fátima, diarista, bancava.

Aos trinta e dois anos, finalmente Dudu arrumou um emprego. Uma marmoraria. O patrão até que gostava dele, para surpresa de muitos e alívio de Maria de Fátima.

 O primeiro, segundo e terceiro salário, foram muito comemorados, com pizza e fumaça. Mas agora ele bancava!

Quando Estela morreu, alguns dias após o funeral Maria de Fátima foi até a marmoraria porque queria encomendar uma lápide para colocar no túmulo da filha. O próprio Dudu foi mostrando, até que ela se decidiu por uma pedra bronze amarelada, imensa, recostada numa parede. Disse o tamanho que queria.

 Mas não era possível, recortar um pedaço de 1 metro daquela bela peça de quase uma tonelada. Ela insistiu, os olhos encheram de lágrimas, Dudu falou com o patrão, que mesmo de má vontade aquiesceu. Maria de Fátima escreveu num papel o que queria para homenagear a filha, além dos óbvios datas do nascimento e falecimento. Beijou o filho, que ficou encarregado do corte da pedra e lapidação da lápide.

Quando desceu do ônibus, na porta de casa, seu telefone tocou. Da marmoraria, viu pelo número. Atendeu segura. O que Dudu queria? Era o patrão de Dudu. Ao içar a pesada placa de mármore, a correia que a prendia à grua, arrebentou e num movimento de puro reflexo, provavelmente herdado de seu passado de skatista, Dudu deu um passo a frente para amparar a queda. Morreu esmagado pela futura lápide.

Não havia ninguém por perto para amparar sua dor. Seguiu sozinha até o portão de casa. O cachorro fez a mesma festa que todo cão faz quando o dono retorna.

Beto Nogueira é Médico.

Compartilhe este Post com seus amigos:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *