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A CESTA

Quando a cesta chegou, o dono não estava. Embevecida, a mulher recebeu o presente. Procurou logo o cartão, leu a dedicatória destinada ao marido, uma frase ao mesmo tempo amável e respeitosa.

Quem seria? Que amigo seria aquele que estimava tanto o marido dela? Aquele cesta, sem dúvida nenhuma, mesmo a uma olhada de relance, custava um dinheirão. Como é que ela nunca tivera notícia daquele nome? Ricos presentes só as pessoas ricas recebem. Eles eram remediados, viviam de salários, sempre inferiores ao custo das coisas. Sim, o marido, com o protesto dela, gostava de bons vinhos e boa mesa, mas isso com o sacrifício das verbas reservadas a outras utilidades.

De qualquer forma, aquela cesta monumental chegava em cima da hora. E se fosse um engano? Não, felizmente o nome e o sobrenome do marido estavam escritos com toda a clareza e o endereço estava certo.

Alvoroçada, examinou uma a uma as peças de envoltas em flores e serpentinas de papel colorido. Garrafas de uísque escocês, champanha francês, conhaque, vinhos europeus, patê, licores, caviar, salmão, champignon, uma lata de caranguejos japoneses … Tudo do melhor. Mulher prudente, surrupiou umas garrafas e escondeu-as nas gavetas femininas do armário. Conhecia de sobra a generosidade do marido: à vista daquela cesta farta, iria convidar todo o mundo para um devastador banquete. Isso não tinha nem conversa, era tão certo quanto dois e dois são quatro. Mas quem seria o amigo? Esperou o regresso do marido, morrendo de curiosidade.

E ei-lo que chega, ao cair da noite, cansado, sobraçando duas garrafas de vinho espanhol, uma garrafa de uísque engarrafado no Brasil, um modesto embrulho de salgadinhos. Caiu das nuvens ao deparar com a gigantesca cesta. Pálido de espanto, não tanto pelo material do presente (era um sentimental), mas pelo valor afetivo que o mesmo significava, começou a ler o cartão que a mulher lhe estendia. Houve um longo minuto de densa expectativa, quando, terminada a leitura, ele enrugou a testa e se concentrou no esforço de recordar. A mulher perguntava aflita:

– Quem é?

Mais da metade da esperança dela desabou com a desolada resposta.

– Esta cesta não é pra mim.

– Como assim? Você anda ultimamente precisando de fósforo.

– Não é minha.

– Mas olhe o endereço: é o nosso! O nome é o seu.

– O meu nome não é só meu. Há um banqueiro que tem o nome o igualzinho. Está na cara que isso é cesta pra banqueiro.

– Mas, o endereço?

– Deve ter sido procurado na lista telefônica.

Ela não queria, nem podia, acreditar na possibilidade do equívoco.

– Mas faça um esforço.

– Não conheço quem mandou a cesta.

– Talvez um amigo que você não vê há muito tempo.

– Não adianta.

– Você não teve um colega que era muito rico?

– O nome dele é completamente diferente. E ficou pobre!

– Pense um pouco mais, meu bem.

Novo esforço foi feito, mas a recordação não veio. Ela apelou para a hipótese de um admirador. Afinal, ele era um grande escritor, autor de um romance que fizera sucesso e de um livro para crianças, que comovera grandes e pequenos.

– Um fã, quem sabe é um fã?

– Mulher, deixa de bobagens… Que fã coisa nenhuma!

– Pode ser sim! Você é muito querido pelos leitores.

A ideia o afagou. Bem, era possível. Mas, em hipótese nenhuma, ficaria com aquela cesta, caso não estivesse absolutamente certo de que o prêmio lhe pertencia.

– Sou um homem de bem!

Era um homem de bem. Pegou o catálogo, procurou o telefone do homônimo banqueiro, falou diretamente com ele depois de alguma demora: não é muito fácil um desconhecido falar a um banqueiro.

Aí, a mulher ouviu com os olhos arregalados e marejados:

– Pode mandar buscar a cesta imediatamente. O senhor queira desculpar se minha mulher desarrumou um pouco a decoração. Mas não falta nada.

A mulher foi lá dentro, quase chorando, e voltou com umas garrafas nas mãos:

– Eu já tinha escondido estas.

– Você é de morte. Coloque as garrafas na cesta.

Vinte minutos depois, um carro enorme parava à porta, subindo um motorista de uniforme. A cesta engalanada cruzou a rua e sumiu dentro do automóvel. Ele sorria, filosoficamente. Dos olhos da mulher já agora corriam lágrimas francas. Quando o carro desapareceu na esquina, ele passou o braço em torno do pescoço da mulher:

– Que papelão, meu bem! Você ficou olhando aquela cesta como se estivesse assistindo à saída de meu enterro.

E ela, passando um lenço nos olhos:

– Às vezes é duro ser casada com um homem de bem.

Paulo Mendes Campos (1922/1991)

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