Vivia uma vida de merda. Jamais conjugava verbo algum no presente, só no passado ou no futuro. Alimentava a esperança de que algum acontecimento excepcional aconteceria para salvá-lo. Adiava tudo, sempre. Achava que a felicidade era elástica e que no tempo certo seria feliz. Esse tempo nunca chegou e, ao contrário, a vida lhe surpreendeu com um contratempo bastante desagradável. Após a realização de alguns exames de rotina, foi diagnosticado um tumor maligno na sua próstata. Imediatamente pensou: “Foder, nunca mais!” E parte daqueles sonhos que adiava, os mais eróticos, estavam definitivamente cortados de sua lista. Pior: corria risco de vida, porque não era mais menino e cirurgia sempre representa algum perigo. O médico não omitiu o risco e preferiu não esconder também a verdade sobre a possibilidade de ele nunca mais conseguir uma ereção satisfatória: “Isso vai depender do senhor. A questão psicológica nestes casos é fundamental!”.
Saiu do consultório tentando se convencer de que já tinha trepado muito, que isso era o de menos. Mas a verdade é que vivia insatisfeito. Era fiel não por convicção, mas por falta de atitude. Acomodou-se no casamento como costumava fazer com tudo. Prometeu a si mesmo que, caso sobrevivesse, mudaria de vida. Ele sobreviveu e ele mudou!
Durante o período de recuperação da cirurgia inventou um projeto novo para sua vida e, assim que se restabeleceu, colocou-o em prática. Viajou meio mundo e, na Grécia, descobriu que existem vários tons de azul. Esqueceu totalmente a mecânica de sua rotina de anos, naqueles pedacinhos de mundo, que, como um mosaico, davam forma nova à sua vida. Viu de tudo, bebeu, gastou, deglutiu novidades e, à guia de empolgação, sem traumas, voltou a trepar.
Na volta, comunicou à mulher e aos filhos que passaria a morar sozinho. Seguindo à risca o plano, resolveu também mudar de emprego. Era notório seu saber nas ciências jurídicas. Sem muito esforço, fez prova e passou para o magistério de uma grande universidade. Começou a dar aulas e a escrever livros sobre Direito Constitucional. O contato com jovens alunos foi uma renovação: entrou na aula de dança, mudou a etiqueta das roupas, passou a sair à noite e, por várias vezes, abusou.
Ainda no primeiro semestre, enamorou-se de uma colega de trabalho, especialista em Direito de Família, e passaram a viver juntos.
Dois anos depois, tudo aquilo que parecia infinitamente diferente foi ficando igual. Resignado, reparou que, a cada dia, sua vida ficava mais parecida com a vida que vivera com a dona Maria: pizza aos sábados, tédio nos domingos e novela os outros dias. Repetia tudo, igualzinho.
Então, no último aniversário, ao barbear-se, fatalmente em frente ao espelho, chegou a uma conclusão bastante peculiar: como não podia contar mais com os benefícios da próstata, pois estava curado, nem havia adquirido nenhuma doença nova, precisava agora usar toda sua força para mudar de vida, porque nenhuma doença podia salvá-lo!
Ricardo do Carmo é Professor