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Editorial

O maior desafio do país de 203 milhões é combater as desigualdades sociais

Ao passar os olhos nos novos números do Censo 2022 pensei logo como pode um país tão rico, que já foi a 6ª economia mundial, apenas uma década atrás, e tão grande, com seus 8,5 milhões de quilômetros quadrados, mananciais de água em abundância e onde bate sol o ano inteiro sobre as suas terras férteis, livres de grandes desastres naturais, pode ser tão injusto com seus 203 milhões de habitantes, que ainda são obrigados a conviver com a miséria e a fome, o trabalho escravo e o preconceito racial?

Os pensadores do Brasil são unânimes em constatar que combater as desigualdades de toda ordem continua sendo o nosso grande desafio nestes anos 20 do século 21, em que o país acaba de superar a grande tragédia humana da pandemia de 700 mil mortos e a ameaça à sobrevivência da Amazônia, dos povos originários e da nossa democracia duramente conquistada pela geração mais velha.

O Brasil poderia ser um país muito melhor para grande parte da população marginalizada do crescimento econômico do século passado, baseado na concentração de renda, se aprendesse a dividir melhor a riqueza, algo que nunca aconteceu, desde que o Censo oficial começou a ser feito em 1872, quando o país ainda tinha 1,5 milhão de escravos, 15% da sua população.

Essa chaga social deixou suas marcas profundas e ainda não foi superada, como constatamos este ano com a reativação das equipes de fiscalização do Ministério do Trabalho e da Polícia Federal, que toda semana encontram grupos de centenas de brasileiros trabalhando em regime análogo à escravidão, que não conseguiram fugir dos seus “empregos” porque têm dívidas nas bodegas das fazendas, ganhando salários de fome

Esse tema tomou boa parte do recente encontro do presidente Lula com o Papa Francisco, tema colocado por eles como prioridade, não só para a igreja católica e o Brasil, mas para todo o mundo, que torra recursos trilionários com guerras, e onde 800 milhões de pessoas ainda vão dormir com fome todas as noites.

“Toda a população mundial deveria ficar indignada com a desigualdade salarial, de gênero, racial, na educação, na saúde, na moradia e nas oportunidades”, disse Lula após o encontro com Francisco.

A preocupação do presidente e do papa não é coisa de comunista. É a mesma da Fundação Lemann, criada por Jorge Paulo Lemann, um dos maiores capitalistas brasileiros. Ao final da pesquisa “Nós e as desigualdades 2022”, que foi a campo no mesmo ano do Censo hoje divulgado, realizado em parceria com o Instituto Datafolha, propõe-se equidade racial para construir um país mais justo e avançado, em texto de Camila Pereira e Deloise Bacelar de Jesus.

“A profunda desigualdade econômica, sozinha, não explica a histórica e sistêmica desigualdade racial que vemos ao nosso redor. As evidências que demonstram o impacto do racismo nos mais diversos setores se cumulam e são explícitas, em qualquer área – saúde, educação, segurança alimentar – há prejuízos na trajetória da população negra, mesmo quando a comparação é feita com a população branca de mesmo nível socioeconômico.

Alguns dados da pesquisa:

“85% concordam com o aumento dos impostos das pessoas mais ricas para financiar políticas sociais no Brasil.

56% concordam com o aumento dos impostos para todos no país para financiar políticas sociais.

79% dos entrevistados concordam que a Justiça é mais dura com os negros.

75% acreditam que a cor da pele influencia a contratação por empresas no Brasil.

85% afirma que o progresso no Brasil está condicionado à redução da desigualdade entre pobres e ricos.

69% concordam que o fato de ser mulher impacta negativamente.

No momento em que o Congresso Nacional se prepara para votar a tão esperada Reforma Tributária seria bom que os parlamentares lessem esses números da pesquisa do Instituto Lemann e deixassem de lado os interesses pessoais e paroquiais do Centrão, que quer manter tudo como está para ver como fica, se possível assegurando os privilégios dos já privilegiados, das castas das corporações que se formaram desde as capitanias hereditárias.

A propósito, vale a pena ler ou reler “Casa Grande & Senzala”, a grande obra de Gylberto Freire, está tudo lá. E continua servindo de inspiração para muitos país da pátria da elite neoescravocrata que não quer saber de pesquisas, livros nem censos, muito menos de gente pobre. Prefere só ler balanços e orçamentos, e acompanhar a taxa de juros do Banco Central.

Por isso, somos um país tão rico, e tão injusto, um dos mais desiguais do mundo. Ocupamos o 8º lugar no ranking de desigualdade social, de acordo com a ONU, em 2022. Não precisava ser assim.

Vida que segue.

Ricardo Kotscho, colunista do UOL.

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