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UMA FLOR NO CONCRETO

Luciana G. Rugani

Dias atrás, caminhando pela rua, encontrei várias mudas de Flor-do-Guarujá, conhecida também como Chanana, repletas de flores e brotando em pequenas rachaduras no concreto do passeio, multiplicando alegria, força e beleza em meio ao cinza e à frieza predominante na paisagem. À primeira vista, era como se aquelas singelas e sensíveis flores brotassem diretamente do concreto, rompendo-o com força. De fato, uma imagem representativa da resiliência e da persistência para se alcançar algo, da firmeza de vontade que torna o ser livre para expressar-se como é e para viver em conformidade com seus valores, mesmo em ambiente totalmente hostil. Remete-nos, ainda, à firmeza de personalidade do ser humano que opta por ser livre sendo como é, ao invés de abrir mão de si mesmo para “encaixar-se” no modo de ser predominante no ambiente. Essa flor, aparentemente fixada no concreto, trouxe à minha mente a ideia do “fazer a diferença agregando valores construtivos”.

Quando ouvimos, por exemplo, argumentos como “ah, aqui é assim mesmo”, ou “ah, aqui se pensa assim: se não está comigo está contra mim”, podemos simplesmente aceitar e nos submetermos ao pensamento dominante ou podemos fazer como a flor que “rompe o concreto” e segue sua vida expressando seus valores de beleza e de alegria no ambiente hostil e, portanto, cumprindo a sua parte na evolução social. É certo que não haverá total facilidade, porém a vida terá muito mais sentido ao se fazer a diferença e ao colaborar para ampliar os horizontes limitados, ao invés de estreitar seus próprios horizontes para que caibam na restrita paisagem. Muitos não compreenderão essa opção, ou preferirão seguir engaiolados em seus medos, conservando tudo de ruim e ultrapassado que, há tempos, já deveria ter sido transformado, porém toda evolução social consolida-se pouco a pouco e nenhum esforço nesse sentido é perdido.


Uma sociedade é conservadora quando a maioria de seus membros opta por perpetuar e repetir velhos hábitos que já não cabem mais e, ao mesmo tempo, rechaçar (ainda que silenciosamente) aqueles que trazem uma nova ideia, ou um novo modo de encarar a vida, com novos hábitos e pensamentos divergentes dos predominantes. O conservador frequentemente sente-se contrariado quando, dele, alguém discorda, pois habituou-se a aceitar como verdade apenas seu pequeno mundo. Sua visão de cidadão costuma super valorizar os nascidos no local, daí ser muito comum o xenofobismo entre os conservadores. A sociedade conservadora que não busca evoluir e abrir seus horizontes torna-se, a cada dia, mais provinciana. Então, não seria melhor e mais enriquecedor, para essa sociedade, que seus membros agissem como aquela flor no concreto? Tenho certeza de que a vivência de cada um seria muito mais gratificante e libertadora, mesmo que isso significasse o afastamento de outras pessoas. Em relação a esses que talvez se afastem em repúdio ao comportamento daqueles que optaram em ser como a “flor no concreto”, tal afastamento será natural, e até providencial para que a evolução não seja prejudicada, afinal, em qualquer caminhada, aos que estão na retaguarda é que cabe mudar o ritmo e acelerar para avançar, e nunca regredir o passo para aqueles que já avançaram. O que vale a pena conservar é apenas a nossa essência de seres mutantes em evolução, tudo o mais são apenas paisagens diversas que compõem a caminhada humana.
E, voltando às mudas de Chanana, com flores brotando na rachadura do concreto, quatro dias depois passei pelo mesmo lugar, e todas as mudas tinham sido arrancadas pelo funcionário da prefeitura encarregado de capinar e limpar as ruas. Lamentável, pois elas faziam a diferença ali para muita gente, além de ser uma planta medicinal. O funcionário fez o trabalho dele e, com certeza, sem nenhuma noção sobre os benefícios da planta, sobre a reflexão que ela me proporcionou e sobre a inutilidade de seu ato, pois, daqui a poucos dias, ela renascerá, ainda mais forte, como sempre acontece, conservando e replicando apenas aquilo que é vital para sua missão de flor: sua força e persistência em prosseguir.

Luciana G. Rugani
Academia de Letras e Artes de Cabo Frio – ALACAF e Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA

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