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O JOVEM VOTO OUTSIDER

Em todas as eleições nas quais surgiram candidaturas meteóricas que se utilizaram do discurso antissistema, era perceptível o apelo dessa construção no eleitorado mais jovem. Parando para pensar, a relação contemporânea deles com a política é um tema repleto de nuances. Outro dia, escutei uma liderança jovem que pregava em um encontro usando um discurso congelado na cartilha da Guerra Fria. Há os que embarcam de cabeça no conservadorismo daquilo que nem eles sabem ao certo o que devem conservar, algo como aquela saudade daquilo que não se viveu (e se tornam presas ou mesmo lideranças do neofascismo ou de outras vertentes extremistas).

Temos os desinteressados por completo, alheamento fútil típico da forma com que as redes modularam a existência atual e, além de tantos outros, os que perceberam que o sistema político atual e seus agentes são repletos de fingimento, canalhice, demagogia, hipocrisia, sem-vergonhice e profundas e capilarizadas práticas de corrupção, as vezes dissimuladas, outras nem tanto.

Esses últimos são o objeto do nosso interesse. Quando no seu caminho cruzam, como vimos, os chamados políticos outsiders ou antissistemas o encontro pode ser explosivo. Isso porque apesar de geralmente esse tipo de político ser raso e oportunista, ele pode possuir um discurso poderoso que, se estiver acompanhado de recursos retóricos e performances exageradas, conseguem sintonizar-se com os desencantados. É errado subestimar essa juventude. Também é errado ficar escrevendo ou incutindo as velhas palavras doutrinárias vazias, as palavras de ordem batidas, comandos dados por progressistas de fim de semana, ou políticos de redes sociais da lacrosfera. Eles não respondem a esse tipo de persuasão dos que se creem baluartes do pensamento social.

Essa juventude aprendeu a reconhecer o vazio das palavras doutrinárias e a valorizar os comandos pragmáticos. Ou seja, dão muito mais ouvidos a quem cria um espetáculo, aos que propõem virar tudo pelo avesso. E por quê? Arrisco um palpite. Esse grande contingente da juventude é fisgado pela autenticidade, ou pelo menos pela impressão dela. Sendo assim, são mais suscetíveis e inclináveis a validar uma liderança que “fala o que pensa”, mas com “sinceridade e autenticidade”, do que pelo conteúdo dessas falas e pensamentos. É por isso que os doutrinários clássicos que se apresentam para a juventude como seus guias e messias acabam ridiculamente falando ou postando sozinhos.

O problema disso tudo é que os líderes antissistema são um produto falsificado. A juventude que os elegem e sustentam, ao notarem o engodo, ou partem para outro ou começam a produzir seus movimentos próprios para criar “de berço” os eleitos “verdadeiramente” fiéis aos tais princípios. Mas, geralmente, isso tudo vira uma embrulhada horrorosa. Os eleitos que prometeram subverter o sistema se mostram visceralmente atrelados a ele para realizar suas verdadeiras intenções (e geralmente elas passam pela corrupção em larga escala e delírios de poder total); já os novos líderes dos “movimentos” quase sempre, saem do berço para serem embalados no colo dos neofascistas e seus congêneres, isso quando não se perdem no besteirol completo.

Para mudar esse cenário não há uma fórmula mágica, ou exata. Contudo, o começo, indiscutivelmente, passa pela qualidade dos agentes públicos, eleitos e nomeados. Enquanto convivermos com o deplorável produto que temos hoje na prateleira, certamente haverá motivos de sobra para os jovens (e não apenas eles) darem ouvidos (e votos, especialmente) aos excêntricos, porém autênticos (enquanto durem).  

Paulo Cotias é Professor, historiador, psicanalista e escritor.

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