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Paulo Cotias

Recentemente, ao final do seu discurso à Associação para a Subsidiariedade e Modernização das Cidades Italianas (ASMEL), o Papa Francisco mostrou-se profundamente preocupado com o problema da natalidade. O pontífice falou em uma “cultura de despovoamento”, com a decisão dos casais a gerar cada vez menos filhos ou não os tê-los, comparando esse declínio com o aumento, em contrapartida, da escolha pela criação de animais de estimação como uma espécie de “maternidade” e “paternidade” substitutiva. Um olhar superficial colocaria o questionamento no âmbito restrito das crenças específicas do catolicismo e suas ideias acerca da modelagem familiar e da sexualidade. Isso é um engano. O conteúdo da fala foi amplo e mostrou, que o problema é crônico e que pode colocar em jogo o equilíbrio ou mesmo as condições de existência de várias nações, sobretudo na Europa.

Desde 2008 a Europa vem assistindo a uma mudança drástica da sua pirâmide etária. Isso tem levado países a adotarem políticas amplas de amparo legal, de incentivos e bônus à natalidade, como Portugal, Alemanha, Reino Unido, Espanha, Finlândia, França, Grécia e Itália. Já no Leste Europeu, a Rússia enfrenta o duplo problema dos índices decrescentes de nascimento e da diminuição da expectativa de vida. A tendência de queda da natalidade também atinge o Brasil. Nos anos 60, a taxa média de fecundidade era de 6,3 filhos. Em 2023, o índice é de 1,62 filhos por mulher. Isso em contraste com a mudança na pirâmide etária pelo envelhecimento da população. Até a China, outrora símbolo de crescimento ao ponto de adotar uma rigorosa e controversa política de filho único, passou a rever suas posições, dado aos inéditos índices de decréscimo da fertilidade, ao ponto de ser ultrapassado em população pela Índia, com índices variáveis. Por outro lado, há um crescimento de natalidade sustentado no continente africano. E o grande capital está de olho nisso.

Quais as implicações desse fenômeno? A médio prazo, decréscimos acentuados da população podem levar a problemas sérios quanto as taxas de produtividade. Já o envelhecimento, mesmo que condicione um maior aproveitamento dessa faixa nas relações produtivas, o fará por curto período, insuficiente para a manutenção do equilíbrio, por exemplo, de sistemas de providência e assistência social. Por outro lado, explosões populacionais geralmente vêm acompanhadas de outras formas de colapso. Fato é que, atualmente, com as dificuldades ambientais, as profundas desigualdades sociais, com mudança drástica nas relações de produção, de trabalho e consumo e com a implacável liquidez e imprevisibilidade da existência, as pessoas estão realmente optando ou até mesmo não reunindo as condições necessárias para constituir uma família com a geração de filhos. Por isso, não bastam apenas exortações de caráter religioso, ou mesmo incentivos temporários como estímulo à fertilidade. É preciso rever com honestidade e com coragem a origem do problema: o nosso atual estágio do capitalismo global tem sido um ambiente propício e convidativo para a escolha de gerar e manter novas vidas apenas para poucos.

Outro ponto importante é discutir a maternidade e a paternidade. São vínculos que exigem profundos compromissos. Por aqui, por exemplo, metade das mães brasileiras são solo, ou seja, tanto ela quanto seus filhos foram abandonados de modo irresponsável pelo genitor. As consequências para as mulheres são severas, assim como para as crianças. Ou seja, gerar é importante, mas o como é essencial.

Paulo Cotias é Professor, historiador, psicanalista e escritor.

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